quinta-feira, 3 de junho de 2010

Um china no interior do estado


Eu estava passando um fim de semana na casa de um amigo numa aprazível cidadezinha do sul do Rio de Janeiro chamada Paty do Alferes. No domingo, era dia de jogo do Flamengo. Depois de um churrasco durante todo o sábado, decidimos acordar cedo e ir direto para ao bar da estação - único lugar que tinha tv a cabo disponível e onde os rubro-negros costumavam se encontrar - para assistirmos ao certame.

Bebemos muita cerveja e comemos porção de batata-feira com linguiça calabresa. De sobremesa, uma porção de salaminho. Perdemos a hora. Os pais do meu amigo já nos esperavam em casa para nos levar à igreja. Tivemos que nos arrumar correndo e saímos. Depois da missa, decidimos ir à uma boate na cidade vizinha, Miguel Pereira. Para ser mais exato, num distrito chamado Portela. Como qualquer noitada de domingo numa cidade de 20 mil habitantes, todos se conheciam e aquele era o único lugar que ficaria aberto depois da meia-noite. Mas meu amigo estava com fome e resolvemos, em comum acordo, parar num desses "chinas" para comer alguma coisa antes de entrarmos na XV (apelido do lugar onde aconteceria o "baile"). Comemos e partimos.


Senti, no exato momento que mastiguei o último pedaço do pastel de queijo, que não deveria ter feito aquilo. Aquela sensação cortante na região do abdome - resultado da mistura de cerveja, pastel, calabresa, salaminho e gordura de anteontem - me dizia que a noite não acabaria bem. Mas pensei: "Eu sou forte. É só pensar em outra coisa. Não posso acabar com a noite do camarada". Pedi, forçosamente, uma cerveja. Bebi meia lata e me veio, desta feita, a vontade de fazer o número um também. Não havia jeito, precisava ir ao banheiro. Procurei o da boate e só havia mictório, daqueles de metal presos na parede. Precisava sair.


Virei pro meu amigo e disse calmamente:

- Cara, vou vazar porque tô passando mal. Mas fica tranquilo que eu sei chegar na casa.
- Que isso cara!? Vou conitgo. Saímos.
- Tem algum táxi aqui?
- Ih rapaz, a essa hora? Impossível. Isso aqui é cidade do interior...
- E quanto tempo demora para passar ônibus?
- Não tem mais não. Só van agora. Mas, provavelmente, vamos ter que esperar ela encher para sair.
- (pensei): Tô fudido.


Comecei a suar frio. Cinco minutos se passaram e nada. Dez, quinze, vinte. Eu já não aguentava mais quando de repente vi uma luz no fim da rua, literalmente. Era uma placa da Brahma onde estava escrito "Bar do Marão". Era lá mesmo. Fui até lá e, entrando no bar, dei de cara com o Marão. Ele era um negão de uns dois metros de altura, careca e com uma enorme barba branca. Braço cheio de pulseiras e cordão de ouro. Camisa azul de botão aberta deixando a mostra o peitoral de quem um dia havia sido sarado.


- Boa noite. Posso usar seu banheiro. É uma situação de vida ou morte.


Ele, notando meu desespero, apenas balançou a cabeça positivamente. Sai correndo e quando vi o vaso, não sei como, já estava com as calças arriadas. Alívio. Mas daí vem a segunda parte do desespero: não tinha papel. Cueca? Eu teria que pegar um ônibus ainda e depois andar mais uns quinze minutos a pé até a casa do meu amigo. De calça jeans e sem cueca seria tortura. Meias? Tava muito frio. Resolvi então dar uma olhada na lixeira para ver se reaproveitava alguma coisa. Havia uma embalagem de absorvente, o que me fez pensar que alguém já havia passado um outro perrengue por ali. Usei.


Não foi aqueeeela limpeza mas daria pra controlar as coisas até em casa. Relaxado, fui lavar as mãos e qual não foi minha surpresa quando vi até sabonete. Pra quem frequenta boteco sabe que isso é a coisa mais rara do mundo! Mas quando abri a torneira, veio a terceira situação deseperadora. A pia estava com refluxo e jogou para cima toda a água que estava dentro do vaso sanitário. Quando a coisa se assemelhou a um chafariz, só tive tempo de me esquivar como um azougue antes que o jato que saiu do ralo da pia caísse sobre mim. Fração de segundos mesmo. Consegui fechar a torneira, mas o estrago já estava feito. Sai do banheiro com a maior calma do mundo, olhei bem para o Marão e disse:


- Quanto que é para usar o banheiro?
- Não é nada não, senhor - falou Marão com uma voz de trovão.


Eu estiquei a mão para cumprimentá-lo e larguei 20 reais na mão dele. Olhando bem dentro de seus olhos, disse com pureza d'alma:


- É melhor o senhor aceitar porque a situação lá dentro tá feia...


E sai do bar para nunca mais voltar àquela boate e nem mais a nenhum china na minha vida.

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