segunda-feira, 14 de junho de 2010

Arremesso: o crime do OVO

Você consegue responder a questão do OVO de colombo? Você come ovos constantemente, de capoeira, brancos ou vermelhos? Ovos, ovos, ovos. Um ovo, um único ovo será responsável pelo meu primeiro processo em uma vara criminal. Estou enquadrada na Lei Nº 3 . 688, de 3 de outubro de 1941, a Lei das Contravenções, "categoria" - pasmem - "ARREMESSO" sancionada pelo nosso querido Getúlio Vargas, que 14 anos depois estourou o peito no palácio do Catete. Bem feito pra ele que se matou por remorso, culpa ele tinha, já eu, sou inocente.

O ovo em si
Há dois anos nos mudamos para um apartamento no 4º andar de um condomínio em Vila Isabel que fica ao lado do 11º batalhão de bombeiros. E, fora os ruídos normais produzidos pelos bombeiros, - sirenes e, eventualmente, o toque da Alvorada - a convivência entre nós sempre foi tranquila. No início do mês de maio, chegaram novos recrutas no quartel. Todos os dias, eles são treinados à moda arcaica do militarismo brasileiro: gritos, exercícios fora de moda e, com a chegada de um novo Sargento, o Simão - estou modificando para preservar o nome do sujeito (NOT) - passaram a massacrar o Hino da Bandeira e o Nacional todas as manhãs, antes das sete, antes da lei do silêncio, da lei do bom senso. Que seja. Acontece que no último dia dois, às 6h30, a coisa ficou pior...Eis que o Sargento Pimpão obrigava os recrutas a castigarem a letra do Hino da Bandeira, composição do parnasiano mais chato - como se todos os parnasianos não fossem chatos-, Olavo Bilac. Quando acordei e fui até a janela que estava - note bem - fechada devido ao frio da noite, Valentina, minha filha de nove anos, também despertou com o barulho e às 6h45 estávamos de rosto colado à janela fechada - note bem novamente - sonolentas. Costumo acordar por essa hora mas, nesse dia até que estava feliz da vida por ver Olavo Bilac se ferrar nas vozes horrendas dos recrutas do Sargento Jordão. De repente, não mais que de repente - sempre quis escrever isso - um objeto branco cai e se espatifa no meio do pátio, interrompendo o sofrimento do finado Bilac e iniciando o meu.
- Valentina o que foi aquilo?
- Um ovo mãe, jogaram um ovo nos bombeiros e eles tão olhando pra gente.
- Fica aí Valentina, não se mova. Se a gente se abaixar ou qualquer coisa, podem achar que fomos nós. Fique aí porque a gente não deve nada.

O Sargento
E continuamos na janela - FECHADA. Vi o Sargento Melão apontando para nós, e em seguida sair correndo para nosso prédio. Contei 1,2,3,5 minutos e o Sargento Sifão estava tocando meu interfone, deixei subir. Dois minutos lá estava ele na minha porta.
Vou resumir os 20 minutos de diálogo que tivemos.
- Bom dia senhora. Dois bombeiros viram que um ovo foi atirado daqui.
- Impossível. Eu estava com a minha filha e a janela estava fechada. Mas realmente, não daria para o senhor iniciar os trabalhos cívicos lás pelas sete? Conforme a lei do silêncio determina? Afinal, cantar o hino não é algo emergencial como um chamado de incêndio.
Ele ficou puto, o Sargento Durão. E conforme eu esperava, veio com aquela ladainha que, honestamente, é a única coisa que resta a uma instituição como a dele. Cujos salários são parcos e com a reputação abalada após denúncias de bombeiros envolvidos em atividades de milícia - segundo o relatório das milícias do deutado estadual Marcelo Freixo, um em cada quatro bombeiros está ligado à milícia.
- Sou militar senhora. E quero os seus documentos.
Peguei a minha carteira de trabalho, minha identidade ficou na casa do meu namorado em São Paulo.
- A senhora não tem identidade funcional aí?
- A carteira de trabalho não funciona?
Ficou com ódio.
- Sabe, desse jeito vou acreditar que o ovo partiu mesmo daqui. Eu vou chamar os dois bombeiros que viram, e a senhora se explica, ok?
- O senhor acredita no que quiser, sargento. Eu sou jornalista, não entendo de leis, mas tenho perfeita noção de que o senhor nao pode me acusar assim. Agora não vou encontrar com ninguém, porque tenho uma criança para arrumar para escola e tenho que ir trabalhar.
- Eu vou chamar a polícia.
- Fique à vontade.
E assim, o sargento Bufão foi embora pocesso, prometendo chamar a polícia e tudo. Eu me vesti, fumei um cigarro, tomei um café e tentei pensar nas consequências. Esse bombeiro tá muito puto, porque o ovo foi um aviso de que o treinamento dele é totalmente mequetrefe, pensei.

Polícia
Dois dias depois, está lá na caixa de correio uma intmação para Camilla Lopes, comparecer na hora x, dia tal, na DP de Vila Isabel - a mesma DP que investiga o assassinato do inocente que foi morto por uma furadeira no Andaraí - a fim de prestar esclarecimentos ao investigador Antônio Gomez devido a uma acusação feita pelo sargento Juares da Silva Mandão. O crime que "cometi" é "arremesso" previsto na Lei das Contravenções.
Agora imagine.
No Talavera Bruce, alguém me entrevistando;
- Mas você está aqui por que?
- Ah, arremesso.
Ok, lá fui eu. O investigador Antônio Gomez era tipo um "Brad Pitt". Brad Pitt pediu que eu sentasse.
- O que hove Camilla?
Desfiei o rosário da treta com o Sargento, do ovo que eu vi cair do alto da minha janela fechada, da minha filha que estava ao meu lado e que poderia dizer que fui eu.
- Bem, Camilla, sua filha tem um laço de parentesco com você e só tem nove anos. Além disso, dois bombeiros afirmam que viram uma mulher de cabelos pretos na janela. E o Sargento Tufão disse no depoimento dele que você afirmou ser jornalista e que "conhecia pessoas".
Aí eu me irritei.
- Isso é mentira e eu gostaria que constasse no meu depoimento, por favor Inspetor Brad Pitt. Eu disse a ele que era jornalista assim como ele disse ser sargento do corpo de bombeiros. E as testemunhas dele não deixam de ser subordinados dele. Cada um na sua profissão. Mas inspetor, o que vai acontecer comigo? Eu não taquei o ovo.
- Vai chegar na sua casa uma intimação para comparecer a uma audiência de conciliação no juizado criminal. Vou imprimir o seu depoimento.
Quando ele imprimiu eu li "abriu" escrito como o mês outonal "abril". É, Brad Pitt, pensei, nem tudo é perfeito. Assinei o troço, tirando o "Abril" despedaçado do verbo "abrir", o resto estava correto.

O resto
Ainda não recebi a intimação para ir a audiência. Mas algumas conclusões já tenho: O sergento Durão mentiu. Minha janela estava fechada. Minha filha estava comigo. Não jogaria um ovo nos caras. Não menti. Vou até o fim negando e falando a verdade. Não tenho medo. Olavo Bilac ferrou meu dia. Getúlio também. Os dois estão mortos. Os dois eram chatos. E eu, bem eu continuo por aí.
Mas...
Quem será que tacou o ovo na ladainha do Bilac?

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